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segunda-feira, 10 de maio de 2010

Apocalypse Now


Clássicos do Cinema - 1979
Baseado na novela de Robert Conrad, "The Heart of Darkness" (O Coração das Trevas), "Apocalypse Now" erra no Atacado e acerta no Varejo, por assim dizer. O filme conta a história do Capitão Willard (Martin Sheen) que precisa se entranhar nas selvas cambojanas para assassinar o desertor do Exército Americano, Coronel Walter Kurtz, que supostamente enlouqueceu e tornou-se uma fonte de embaraço para a política americana no Sudeste Asiático, nos tempos da Guerra do Vietnã. O Coronel controla um grupo de fanáticos que perpetra massacres abomináveis em nome de uma filosofia obscura, defendida por Kurtz. O ponto de vista básico da novela de Conrad, embora elegantemente escrita (Conrad, ucraniano de nascimento, tornou-se cidadão inglês e manejava com destreza invejável aquela linguagem) era reacionário: Kurtz, o europeu que adentrava pelos rios com seu navio nas selvas africanas exercia o papel "civilizador" sobre os selvagens. A história de Kurtz é narrado pelo marinheiro Marlow, conhecido pelos leitores em outras obras de Conrad. Assim como o Kurtz de Conrad usava métodos insanos e deprimentes, o Coronel americano que é o seu clone histórico, reposicionado em outro continente, também percebe, capta, interioriza aquela indisfarçável torrente de insanidade existente dentro do ser humano e a devolve, transformada em violência louca, primitiva, pagã. O Coronel, já tendo descido aos abismos infernais, se encontra às portas da loucura - ao mesmo tempo em que vivencia uma espécie de epifania sobre nós mesmos e o nosso terrível interior, talvez uma visão do núcleo da nossa herança reptílica, que nos torna capazes dos piores atos - quando o Capitão Willard já levanta o machado que o matará, repete a célebre frase que supostamente (na novela de Conrad o horror aludido nunca é definitivamente explicado. Isso é deixado em aberto ao leitor, o que torna o efeito ainda mais intenso) delineava para o Kurtz original o que ele vira e experimentara e que ele balbucia em seu leito de morte: "Ah! The Horror, The Horror!" ("Ah! O Horror, o Horror!"). A dramaticidade deste balbucio em Inglês não encontra paralelo na língua portuguesa, apesar da palavra ser escrita com as mesmas letras em ambas as línguas. A tonicidade da pronúncia inglesa ressalta o aspecto sinistro da palavra de uma forma que não ocorre no Português. T. S. Eliot, admirador de Conrad e, particularmente, de "The Heart of Darkness", usou como epígrafe de seu poema "The Hollow Men", (algo assim como, "Os Homens Ocos" ou "Os Homens Vazios") a frase, dita num Inglês estropiado de homem africano do século XIX, "Mistah Kurtz, He Dead"(em Português, seria mais ou menos o seguinte: "O Sinhô Kurtz tá morto"), em alusão à novela conradiana. Kurtz, antes de ser assassinado por Willard, lera os versos imortais de Eliot, com destaque para a magnífica sonoridade da parte final da 1ª estrofe: "We are the Hollow Men, we are the Stuffed Men. Leaning together, headpiece filled with straw, Alas!"(Nós somos os Homens Ocos, nós somos os Homens Empalhados. Apoiados uns nos outros, nossos elmos cheios de palha, Amém!) - parte final da estrofe - "Our dried voices, when we whisper together are quite and meaningless. As wind in dry grass or rats feet over broken glass in our dry cellar" (Nossas vozes secas, quando juntos sussurramos, são silentes e sem sentido. Como vento na grama seca ou pés de ratos sobre vidro quebrado em nossa adega vazia**). Apesar das referências literárias de primeira, a começar pela fonte para o script, Coppola comete alguns erros, a começar por comparar a selvageria dos nativos africanos, de origem tribal, inocente de civilização, equiparando-a à americana que venho prontinha dos EUA, não lhes surgiu de repente no Sudeste Asiático (cujos países todos têm civilizações com uns poucos milhares de anos a mais que a Yankee). Não é à toa que, justamente por ser um bom diretor-produtor, Coppola contradiz a si mesmo quando em vez de refletir ou filosofar, simplesmente exerce o seu ofício de artista. Umas das mais elucidativas e antológicas cenas do filme se dá quando o Tenente-Coronel Kilgore resolve surfar com os soldados do seu pelotão na praia e, sendo atacados por vietnamitas, pede apoio aéreo que limpa a área de inimigos ao varrê-la com Napalm. Após o feroz ataque aéreo sobre as posições vietnamitas, Kilgore - sem camisa durante todo o desenrolar destes acontecimentos - declara aos soldados mais próximos que adora o cheiro de Napalm pela manhã "por que cheira a vitória". Não foi o que mostrou a História, mas aí já é outra "história". O importante, nesta cena, é a leviandade e a facilidade com que a letal e pesada máquina do maior arsenal bélico do mundo - o dos Estados Unidos da América - foi posta em movimento, para que os "rapazes" pudessem surfar. O Tenente-Coronel, o tempo todo sem camisa, em pé em meio ao tiroteio como se estivesse num parque de diversões, enquanto os recrutas se encolhem no chão, evitando os disparos inimigos, parece se sentir em casa ou realmente em alguma praia como Pipeline, Bilabong, Bells Beach or something else. Não Coppola, a violência americana é natural, faz parte da estrutura econômica, social e espiritual desta grande nação. Nisso, Francis Ford Coppola, longe de ter o talento dos mestres literários que o inspiraram nessa obra, acertou em cheio, criando um dos grandes momentos do cinema. Sem criar um filme realmente sobre a guerra ele conseguiu mostrar a verdadeira face da Guerra do Vietnã: "Ah! The Horror, the horror!"
RMVB
LEGENDADO

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*Alas até onde sei, equivale a Amém, Assim Seja! Se algum conhecedor mais profundo do Inglês nos proporcionar uma tradução mais apropriada, agradeceremos.

** apesar de dry significar seca, ressecada, para efeitos de poesia, "vazia" traduz melhor, no meu modesto modo de ver, o sentido da frase em Eliot.



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