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sábado, 11 de julho de 2009

Dr. Fantástico


Dr. Strangelove é um filme de Stanley Kubrick que mostra como, hipoteticamente, uma crise envolvendo a possibilidade de guerra nuclear entre Estados Unidos e União Soviética seria tratada, por um lado, pelos estrategistas originados das universidades americanas e, por outro, pelos buro-gerontocratas soviéticos, bem como a possibilidade de manipulação do sistema de salvaguardas contra uma guerra acidental ou não autorizada. Um General da Força Aérea americano fica doido e resolve provocar uma guerra nuclear para destruir a URSS, a qual ele odeia profundamente. Utilizando-se de um artifício permitido inadvertidamente pela estrutura de comando americana, ele ordena um ataque contra a Rússia e manda que os bombardeiros B-52 de uma Esquadra ultrapassem o "Failsafe Point", o ponto onde os bombardeiros devem aguardar por ordens expressas do Presidente para prosseguir na missão. No Sistema Estratégico Nuclear americano, uma vez ultrapassado o Failsafe Point, a tripulação tem ordens de não dar atençao a quaisquer contra-ordens, mesmo do Presidente, devendo considerá-las como tentativas do inimigo de impedir a missão, invadindo o sistema de rádio e quebrando os códigos secretos de comunicação. Daí, em seguida à ultrapassagem do "Failsafe Point", a tripulação desliga as comunicações. O General faz uso do "Plano R" que permite que um Oficial Sênior ordene um ataque retaliatório em caso de um dos membros da Cadeia Normal de Comando Militar, inclusive o Presidente, for morto por um ataque nuclear inimigo de surpresa. O General engana uma base de bombardeiros, informando que o país foi atacado e o Presidente morto, conseguindo por em movimento o letal mecanismo de guerra nuclear. O Plano R, segundo o argumento do filme, teria sido criado como forma de dissuadir os soviéticos de efetuarem um ataque à Capital, Washington, visando eliminar o Comandante em Chefe das Forças Armadas ianque - o Presidente - quebrando a Cadeia de Comando e prevenir um contra-ataque retaliatório imediato, o que abriria a possibilidade dos soviéticos destruírem os EUA, antes que este pudesse reagir. A figura do protagonista, um tipo de "cientista louco", o Dr. Strangelove, foi baseada, principalmente, nas figuras de Henry Kissinger e de Herman Kahn. Kissinger foi Secretário de Estado de Nixon e sempre esteve envolvido nas piores maquinações de bastidores do cenário político-estratégico americano e Kahn era um matemático que fazia cálculos sobre a viabilidade da guerra para o Pentágono. Kahn vinha da Rand Corporation, uma das empresas-chave do "Complexo Industrial-Militar" mencionado em discurso de despedida pelo ex-presidente Dwight "Ike" Eisenhower quando de sua saída da Casa Branca (substituído por John Kennedy). Kahn era amado pela Direita americana e a comunidade ligado ao "Complexo" - o Pentágono, as empresas de armamentos e as fundações do tipo Ford, Rockfeller, etc. -, pois sempre mostrava que, numa guerra, morriam muito mais soviéticos que americanos, o que servia para tornar mais aceitável a corrida armamentista em busca da "First Strike Capability", a capacidade de dar um primeiro e definitivo golpe, sem dar chance de revide ao adversário (o que sempre foi um mito, inexequível em virtude da quase completa paridade entre as duas únicas superpotências mundiais da época, eventualidade somente possível no caso de confronto dos EUA ou URSS contra uma potência nuclear pequena como Inglaterra, França ou Israel). O filme de Kubrick expõe claramente as mistificações dos manipuladores de crise da Guerra Fria com muita ironia e humor negro. A crise decorre de um defeito básico no sistema americano de monitoramento dos mísseis soviéticos que deveria detectar um ataque russo, o que não acontece na realidade, demonstrando quão perigosa é a situação em que estamos todos metidos, uma vez que dependemos para nossa sobrevivência de uma série de equipamentos e ações preventivas não completamente confiáveis, além dos riscos relativos ao "fator humano", caracterizado, por exemplo, pelo excesso de zelo guerreiro decorrente de disposições ideológicas (reacionários fanáticos, muitas vezes, ideologicamente à direita de Adolf Hitler). Muitos militares americanos viviam sonhando com uma guerra que extirpasse de vez o "câncer comunista" soviético e/ou chinês-cubano-coreano, etc., assim como muitos "comunas" entravam em êxtase semi-religioso imaginando a "decadente" América obliterada da face da Terra. A única restrição é que depois de cerca de 2/3 de comédia impecável, o filme descambe para a farsa, no final, quando o B-52 americano vai jogar a bomba sobre o território soviético e o membro da tripulação que vai liberar a bomba precisa soltá-la manualmente, devido a um defeito no mecanismo de liberação. O militar usa um chapéu de cowboy e cai junto com a bomba, gritando como um verdadeiro vaqueiro e parecendo estar domando um potro selvagem... Apesar deste final farsesco, Dr. Strangelove (o título completo seria algo assim como: "Dr. Amor-Estranho ou Como Deixei de me Preocupar e Passei a Amar a Bomba") é um clássico do cinema, valorizado especialmente pelas soberbas atuações de Peter Sellers, que interpreta três papéis: do Capitão Lionel Mandrake, oficial britânico em serviço nos EUA; do Presidente americano Merkin Muffley, baseado no liberal Senador Adlai Stevenson e do Dr. Strangelove, cientista de origem alemã, ex-nazista, deficiente físico, misturando caracteres de Werner Von Braun (pai da V1, a bomba voadora alemã, na 2ª Guerra Mundial, protótipo dos mísseis que carregam as ogivas termonucleares modernas), Herman Kahn (matematico acima citado), Dr. Edward Teller ("pai" da Bomba Atômica Americana, líder do "Projeto Manhatan" que levou à sua construção) e Henry Kissinger (cientista político e ex- Secretário de Defesa, notório manipulador do período da Guerra Fria) e de George C. Scott, como General Turgidson, ligeiramente baseado no Gen. Curtis LeMay, expert em assuntos de bombardeio nuclear e conselheiro do Presidente, bem como ex- comandante do Comando Aéreo Estratégico.
RMVB
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Outro comentário exenso e interessante do Fenando Luiz - como alguns, anteriormente veiculados no Blog do Alborges - me levaramm a transladá-lo para dentro da postagem, não só em virtude do seu interesse em si mesmo, mas também, em função de minha resposta à colocação inicial, feita pelo autor.
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Por:
Fernando Luiz

Olá Alborges! Embora respeite sua opinião, não creio que o filme acabe como farsa. O soldado "caubói" simplesmente representa a poderosa capacidade de lavagem cerebral que o stablishment conseguia/consegue realizar nas pessoas, levando-as a sacrificar a própria vida, alegremente, em prol, por exemplo, da "defesa do mundo livre". Não podes imaginar, no lugar do "caubói", um homem-bomba do Hamas ou da Al Quaeda, recitando o Corão enquanto aciona as cargas de C-4 em seu colete? A terrível verdade é que, com o final da URSS, o mundo parece respirar aliviado, pois imagina que o perigo nuclear está definitivamente afastado. Na verdade, ao contrário, está cada vez mais perigosamente próximo do desastre do que nunca. Infelizmente, hoje, quem menciona esta possibilidade é acusado de procurar criar um anti-clímax fácil e injustificado, quando o tema é tudo menos anti-climático. É atual e verdadeiro! A diferença entre o passado e o hoje é que, antes, para conseguir acionar uma estratégia de retaliação, as ordens precisavam passar por um grande número de oficiais (soviéticos ou americanos), entre os quais sempre se esperava haver algum mais lúcido ou menos fanático que conseguiria parar o "ataque" antes de ultrapassado o "point of no return". Como dizia Sting em uma de suas célebres músicas: "I hope the russians love their chidren too!" [Espero que os russos também amem suas crianças!]. Hj, porém, os recentes e irresponsáveis testes de mísseis da Coréia do Norte levam novamente, e perigosamente, o mundo à beira do abismo nuclear. O poderio econômico de um Bin Laden, escondido, mas ainda atuante, e a fragilidade dos sistemas de controle nuclear de antigas repúblicas soviéticas, podem muito bem fazer com que artefatos atômicos caiam em mãos sem escrúpulo algum e a balança do terror desande de vez, trazendo, de vez o "fim". Até quando teremos sorte de escapar? Quanto ao filme em si, concordo que a atuação de Sellers está memorável (escapando do cômico fácil da série de filmes da Pantera cor de rosa, no papel do Inspetor Clouseau). Um clássico como Dr. Strangelove é outro filme a figurar em qualquer videoteca que se preze. Recomendo e assino em baixo!
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Por:
Alborges

Caro Fernando Luiz, mais uma vez você mostra agudeza na nálise da cena mundial, em especial, sobre a questão do perigo nuclear no período pós-comunista. Sem dúvida, a fragilidade dos meios de controle de muitas republiquetas soviéticas, em especial da Ásia Central, aliadas ao "retorno do reprimido" da vontade de lucro pessoal, represada por cerca de 72 anos de coletivismo burocrático são inquietantes. Na década de 90, ex-repúblicas européias como a Ucrania também foram palco de venda massiva de armas do imenso arsenal soviético armazenado naquele país, como mostra o filme "Senhor da Guerra" (2000). No caso das ex-repúblicas da Ásia Central, a inquietação é maior, pois, além da cobiça e corrupção, o próprio sistema de segurança do arsenal nuclear é ridiculamente frágil. Na Ucrânia, ao menos, os militares, aparentemente, não venderam bombas atômicas, nem, que se saiba, foi roubada nenhuma.
Agora, quando eu disse que o filme termina de forma farsesca, baseio-me no fato de que a película toda transcorre de forma impecavelmente irônica, e tanto mais irônica quanto mais reproduz todo o absurdo protocolo de gerenciamento de uma crise político-militar de forma séria, intercalando as partes escancaradamente engraçadas - como o descontrole da mão direita de Strangelove (que deu nome justamente à uma doença neurológica na qual a pessoa não consegue evitar movimentos autônomos e descontrolados dos membros, isto é, "Sindrome do Dr. Strangelove", também conhecida como "Síndrome da Mão Alienígena" - vide ), o uso da câmera escondida pelo Embaixador Soviético ou, suprema gozação, quando, após as detonações das bombas em solo soviético, Strangelove se levanta da cadeira de rodas, como naquelas histórias de "cura" milagrosa por oração e impostação de mãos ou ingestão de elixir "cura-tudo", dizendo ao Presidente,"Meu Fuhrer, eu posso andar". Os americanos têm essa mania de mostrar ações violentas (de crime ou guerra, especialmente) de forma festiva, como em Bonnie and Clyde, etc., mas, a verdade está mais pra outro filme americano, "Jogo de Espiões", com Robert Redford e Brad Pitt - filme, aliás, imperdível, que estaremos postando aqui em breve - em que, quando os terroristas da Milícia Libanesa estão se despedindo do líder, abraçando-o, antes de irem explodir o Hotel onde se encontra o Sheik Salameh e a câmera apresenta um close-up em seus rostos, revelando todo o medo e angústia que os domina. A "cavalgada" do Major T. J. "King" Kong não me parece mero reflexo de lavagem cerebral ideológica - já o sacrifício da própria vida, descendo a bomba com o próprio peso, sim, embora se possa imaginar que ele imaginava que a essa altura, como militares, ele e seus companheiros de esquadrilha estavam condenados, de qualquer maneira por uma guerra que destruiria praticamente todas as forças militares dos dois países - antes um besteirol tipicamente hollywoodiano que o inglês Kubrick, que sempre teve dificuldades de levar seus excelentes filmes a um bom termo, resolveu, infelizmente, incorporar. Anyway, mais uma vez, agradeço seus valiosos comentários, que sempre enriquecem os temas abordados, lançando uma nova luz sobre os mesmos.

Um comentário:

Fernando Luiz disse...

Olá Alborges! Embora respeite sua opinião, não creio que o filme acabe como farsa. O soldado "caubói" simplesmente representa a poderosa capacidade de lavagem cerebral que o stablishment conseguia/consegue realizar nas pessoaos, levando-as a sacrificar a própria vida, alegremente, em prol, por exemplo, da "defesa do mundo livre". Não podes imaginar, no lugar do "caubói", um homem-bomba do Hamas ou da Al Quaeda, recitando o Corão enquanto aciona as cargas de C-4 em seu colete? A terrível verdade é que, com o final da URSS, o mundo parece respirar aliviado, pois imagina que o perigo nuclear está definitivamente afastado. Na verdade, ao contrário, está cada vez mais perigosamente próximo do desastre do que nunca. Infelizmente, hoje, quem menciona esta possibilidade é acusado de procurar criar um anti-clímax fácil e injustificado, quando o tema é tudo menos anti-climático. É atual e verdadeiro! A diferença entre o passado e o hoje é que, antes, para conseguir acionar uma estratégia de retaliação, as ordens precisavam passar por um grande número de oficiais (soviéticos ou americanos), entre os quais sempre se esperava haver algum maii lúcido ou menos fanático que conseguiria parar o "ataque" antes de ultrapassado o "point of no return". Como dizia Sting em uma de suas célebres músicas: "I hope the russians love their chidren too!" [Espero que os russos também amem suas crianças!]. Hj, porém, os recentes e irresponsáveis testes de mísseis da Coréia do Norte levam novamente, e perigosamente, o mundo à beira do abismo nuclear. O poderio econômico de um Bin Laden, escondido, mas ainda atuante, e a fragilidade dos sistemas de controle nuclear de antigas repúblicas soviéticas, podem muito bem fazer com que artefatos atômicos caiam em mãos sem escrúpulo algum e a balança do terro desande de vez, trazendo, de vez o "fim". Até quando teremos sorte de escapar? Quanto ao filme em si, concordo que a atuação de Sellers está memorável (escapando do cômico fácil da série de filmes da Pantera cor de rosa, no papel do Inspetor Clouseau). Um clássico como Dr. Strangelove é outro filme a figurar em qualquer videoteca que se preze. Recomendo e assino em baixo!